E SE VOCÊ TIVESSE SIDO ABORTADO?

Laís Bertoche


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Não teria participado do mundo e sentindo o calor do sol, a chuva fina, o cheiro da terra molhada. Não saberia o gosto das massas nem das maçãs. Não teria amigos, sexo, amores...

Bem. Mas você nasceu. E alguém cuidou de você e você cresceu. Se vivês-semos no mundo antigo, com suas altas taxas de mortalidade materna, fetal e infantil decorrentes das precárias condições de higiene, talvez você tivesse morrido cedo. Por essas razões, apesar do estimulo a uma prole numerosa, geralmente as famílias eram pequenas e, embora se conhecesse meios capazes de inibir a gestação, não havia grande preocupação com sua interrupção.

Além disso, a vida humana não era valorizada como o é hoje – especialmente a da menina, teoricamente menos produtiva nas lavouras. O chefe da família tinha a prerrogativa de acolher ou rejeitar a criança, que, quando indesejada, era abandonada do lado de fora da casa logo após o nascimento. Se alguém a quisesse, geralmente como escrava, seria salva. Do contrário, morreria de fome e frio, só e indefesa.

Com a evolução da civilização, cresce o respeito pela vida humana e situações assim nos chocam, como nos impactou a notícia da bebê indígena recém-nascida que foi resgatada com vida, após ter sido enterrada, em Canarana, a 838 km de Cuiabá.

Apesar do fácil acesso a métodos anti-conceptivos, que são oferecidos gratuitamente pelo SUS em todo o país, ainda sabemos de crianças que são descartadas ao nascer e literalmente jogadas no lixo, como no passado.

E talvez por isso, pessoas sensíveis considerem o aborto a grande solução para nossas mazelas. Assunto polêmico e complexo, mobiliza a sociedade com seus costumes, ética e moral, além de variados campos do saber como a biologia, a medicina, o direito e a filosofia.

Definição e tipos de Aborto

Do latim aborior, que significa fazer sumir/desaparecer, deriva a palavra aboriri, abortar – que caracteriza a interrupção prematura do desenvolvimento do embrião e sua expulsão do útero, antes que este possa ter capacidade de sobreviver no mundo.

Há basicamente três tipos de abortos, sendo o mais comum o aborto espontâneo (em torno de 15 a 25% das gestações) – ou interrupção involuntária da gravidez – ocorrendo com maior frequência durante as 12 primeiras semanas, geralmente decorrente de anomalias no desenvolvimento fetal. O chamado aborto frequente é observado quando três ou mais gestações seguidas terminam com a expulsão espontânea de um feto morto ou não.

O aborto acidental é decorrente de uma agressão física, como por exemplo uma queda da escada ou acidente de carro. Nestes casos, é comum ser precedido por sangramento e cólicas uterinas.

O aborto induzido é a interrupção e expulsão intencional do feto antes do tempo, por vontade da mãe ou de outras pessoas ligadas à gravidez, resultando na morte do embrião. Pode ser assistido por profissional competente ou não, e ser provocado por medicamentos como a pílula do dia seguinte ou por meios mecânicos, como por exemplo a curetagem a vácuo. Há certos casos em que há indicação para o aborto, sendo chamado de aborto eletivo ou terapêutico.

O aborto no Brasil

Em nosso país, o aborto induzido é considerado crime contra a vida humana, previsto pelo Código Penal Brasileiro desde 1984. A mãe que causar o aborto ou der permissão para que outra pessoa o cometa pode sofrer pena de detenção de um a três anos. Curiosamente, embora haja alguns processos em tramitação, não se tem notícia de que alguém tenha sido preso por esse motivo.

A legislação brasileira permite abortos terapêuticos nos casos em que a gravidez representar grave risco á vida da mãe, e, a partir de 2012, nos casos de anencefalia (quando o feto não possuir cérebro). Os abortos eletivos são permitidos no caso de gestação decorrente de estupro. Quando o aborto induzido é provocado sem o consentimento da mãe, a pessoa que o provocou pode pegar de três a dez anos de reclusão.

Número de abortamentos no Brasil

No Brasil, as estatísticas totalizam TODOS os abortos, sem distinguir os abortos espontâneos dos provocados. Os únicos dados oficiais são do DataSUS, fornecidos por hospitais e certidões de óbito que informam a taxa de 104,4 mil em 2017 para “outras gravidezes que terminam em aborto” (que inclui tantos abortos espontâneos quanto induzidos).

Ninguém ignora que possa haver sub-notificação, mas o Ministério da Saúde oficialmente informa que há poucas internações por abortos. De qualquer forma, me parece equivocada a taxa de 400% maior de abortos apontada pela pesquisa nacional do Aborto 2016 da PNA, além de não levar em consideração a diferença entre aborto induzido e espontâneo.

Isso porque, ao se analisar os números observamos que em 2013 morreram no Brasil 523.195 mulheres, sendo 66.790 em idade fértil, e que os óbitos maternos (mulheres que morrem em decorrência da gravidez, parto e puerpério) correspondem a 1.686, e que nesse mesmo ano, ocorreram no máximo, 66 mortes maternas por abortos espontâneos e induzidos. Observa-se, portanto, que o aborto está longe de ser a principal causa de morte materna, ocupando entre a quarta e a quinta causa.


Se quer se reduzir o numero de mortes maternas, deve-se, antes de tudo, estabelecer um bom atendimento as grávidas, afirma a professora Lenise Garcia, da Universidade de Brasília e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto. Desenvolvimento do feto







Na 8ª semana de gravidez, o feto tem o tamanho aproximado de um caroço de feijão e pesa menos de 1 g. Todos os órgãos estão em formação. O ritmo cardíaco se estabiliza. Estão em desenvolvimento os olhos, ouvidos, coração, cérebro, fígado, pulmões e rins; as articulações começam a tomar forma e os ossos das pernas e dos braços começam a endurecer. Se for menina, tem inicio o desenvolvimento dos ovários; se for um menino, começa o desenvolvimento dos testículos.

O risco de aborto espontâneo se reduz bastante com a chegada da 12ª. semana. Agora o bebê já tem um aspecto completamente humano e está completamente formado. Mede cerca de 5 a 6 centímetros de comprimento (da cabeça à anca) e pesa entre 8 e 14 g. Já se pode ouvir seu coração. Já mexe os braços, os dedos das mãos e pés e as unhas e os cabelos começam a crescer. Desenvolve-se as cordas vocais e o bebê começa a fazer caretas e a sorrir.

Feminismo e métodos anticoncepcionais

Temos ouvido das feministas que o corpo lhes pertence, e que por isso elas tem o direito de opinar o que fazer com sua sexualidade, inclusive se querem ou não engravidar.

Considero legítima essa questão. Há pessoas que desejam ser mães; outras não.

Mas se você não quer agora, o que a impede de utilizar um dos muitos métodos anticonceptivos existentes? O Ministério da saúde através do Sistema Único de Saúde (SUS) oferece oito opções de métodos contraceptivos: injetável mensal, injetável trimestral, minipílula, pílula combinada, diafragma, pílula anticoncepcional de emergência (ou pílula do dia seguinte), Dispositivo Intrauterino (DIU), além dos preservativos.

Para isso, o programa Saúde da Mulher do Ministério da Saúde tem procurado aumentar o acesso à informação, inclusive aumentando o acesso a vasectomias e laqueaduras para casais que não desejam ter filhos.

Com todas essas facilidades, qual é o argumento para não utilizá-los? Segundo a Organização Mundial da Saúde, 22% dos adolescentes fazem sexo pela primeira vez aos 15 anos de idade.

O Ministério da Saúde observa que o aumento das ações de conscientização da gravidez precoce dentro das escolas, produziu uma queda no número de adolescentes grávidas no Brasil. Entre 2005 a 2009, o número de partos realizados entre jovens de 10 a 19 anos caiu 22,4%, comparado à década anterior.

Para a médica Carmita Abdo, coorde-nadora do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo e professora da Faculdade de Medicina da USP, as crianças precisam de cuidados contraceptivos desde a primeira relação sexual. Lembra que existem também outros métodos que não envolvem ingestão de nenhum medicamento, mas exigem que a adolescente tenha muita disciplina e planejamento.

Se mesmo assim uma gravidez acontecer, será fundamental o suporte do companheiro e da família. O SUS asse-gura e garante a saúde da gestante e do bebê através do atendimento médico durante toda a gravidez e no pós-parto. Mas há uma pergunta que não quer calar: a quem interessa a legalização do aborto? Às feministas? À indústria de cosméticos? Ou será uma tentativa velada de controle da natalidade?

O abordo do ponto de vista das Constelações Sistêmicas

Ao nascermos numa família, passamos a pertencer a esse sistema. E um sistema tem suas leis, que quando não respeitadas, geram grande sofrimento. Uma delas afirma que todos que ingressam numa família tem igual direito ao pertencimento. E quem são essas pessoas? O casal, seus pais e irmãos; os filhos do casal e todas as pessoas que receberam vantagem ou lesaram o sistema.

Quando se busca Constelação Sistêmica como abordagem terapêutica, pode acontecer do terapeuta se deparar com crianças indesejadas que foram abortadas, mesmo que a mãe se refira a esse fato como “sem importância”.

O sistema sabe inconscientemente do aborto e sofre pela criança desprezada. É necessário olhar para o que se fez e responsabilizar-se. Depois, acolher e dar ao bebê abortado um lugar no coração a fim de equilibrar o sistema e permitir que a harmonia volte a fluir. Concluo dizendo que o trabalho com Constelações diz que temos que assu-mir as consequências de tudo que fazemos. Legalizar o aborto não fará com que sejamos mais felizes, nem fará do mundo um lugar melhor.

Publicado na Revista Carioca em setembro de 2018.

 

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