APRISIONADA NAS MEMÓRIAS DA INFÂNCIA

Laís Bertoche

Julia, uma jovem senhora de riso fácil e olhos ansiosos, me procura com queixas de intensa sensação de incapacidade e dificuldade de dar conta da sua vida: “tenho medo de viver e sinto que não vou sobreviver”.

Conta que seus pais estão idosos, e que precisam de sua ajuda: “É muita responsabilidade! Sinto-me tão impotente! Quero que cuidem de mim!” Afirma que desde pequena se sente inadequada, principalmente diante situações que exijam uma resposta rápida: “É como se algo roubasse minha energia”.

- “Coisas pequenas tomam proporções gigantescas; preocupo-me com bobagens”.

As crenças infantis

Procuro Sabemos que as crenças que povoam nosso inconsciente deturpam nossa percepção e determinam respostas inadequadas às demandas da vida. Há pensamentos que roubam nossa energia, tornando-nos inseguros e amedrontados. Essas imagens mentais devem ser extirpadas a fim de que possamos expressar a criatividade, a autoconfiança e a alegria que nos habitam.

Identificando o sofrimento

Peço à Julia que encontre uma posição confortável e feche os olhos. Para facilitar o acesso às suas memórias, sugiro que se imagine diante de um velho armazém. Depois, que abra a porta com a chave que tem na mão. Já no interior da velha construção, peço que observe o objeto que mais lhe chama a atenção. Julia toma em suas mãos um aparador de livros todo enferrujado. Ao pegar, o objeto cai em seu pé, que logo fica bem inchado.

Objetos e cargas emocionais

Peço que observe quem lhe deu o objeto e de pronto ela identifica o pai. Ao observar-se, vê-se como uma pequena menina e, surpresa, percebe que seu genitor havia jogado o aparador no pé dela, com o argumento de que esse objeto era muito pesado para ser carregado sozinho.

Aos poucos, a garota entende que seu pai teve dificuldades para assumir seus estudos, fato que sempre o deixou muito inseguro diante das responsabilidades profissionais.




O amor que adoece

Muitas vezes, por amor, os filhos assumem cargas emocionais de seus pais, na esperança de aliviar-lhes o pesado fardo. Mas não podemos crescer nem sofrer pelo outro; cada pessoa experimenta os obstáculos e as oportunidades que lhe possibilitarão cumprir os altos fins de sua existência. Por isso, depois de reverenciá-lo, sugeri que ela lhe agradecesse a vida e lhe entregasse o aparador de livros, sendo prontamente aceito por ele. Formas de pensamento

De repente, assustada e amedrontada, a menina Julia observa um grande macaco tipo King Kong, que vai inchando e tomando toda a sala. Pergunto quem o colocou ali: - “Minha mãe! Ela tem muito medo que me aconteça alguma coisa; medo que eu me arrisque e que caia nas armadilhas. Me faz sentir medo para eu não ouse muito e assim não corra perigo. Por isso, sempre que eu cometo alguma falta, ela diz que o monstro vem me pegar”!

Peço a Julia que olhe a parte de trás do macaco, e verifique se tem um bico de plástico e, caso positivo, peço que ela abra e solte o ar. Ao ser aberta a válvula que estava nas costas da criatura, ela vai murchando e ficando pequenininha, até virar um plástico sem forma no chão.

Ao ver isso, Julia respira fundo e abre os olhos. Sente-se segura: – “Estou bem. Recuperei minha energia. Posso seguir em frente agora”!

É comum a criação de formas de pensamento como esse macaco, inicialmente por um bom motivo e boas intenções, mas ao fim eles são grandes drenadores de energia. É comum ser criado para a manutenção do poder sobre alguém ou sobre uma coletividade.

Mensagem de Julia

No dia seguinte recebo uma mensagem da jovem senhora contando que antes da consulta estivera muito nervosa, achando que não ia conseguir levar seu pai ao centro da cidade para fazer o “atestado de vida”. Disse que ao chegar lá, descobriu que estava com um documento errado, mas não se intimidou e conseguiu solucionar o problema.

Para ela, a superação e o sucesso dessa empreitada devem-se à certeza de que agora possui a atitude necessária para enfrentar suas dificuldades, que antes eram percebidas como um monstro. Observa que essa conquista lhe tem permitido resolver outros pequenos problemas, como pedir um documento no banco necessário à declaração do imposto de renda – coisa tão simples – mas tão complicado para ela.

Ao final, agradece pela ajuda na superação de suas dificuldades, observando que, depois de ter realizado tantas coisas, ainda teve disposição para participar da reunião do budismo: “Enfim, foi um dia ótimo”!

© 2019 LAÍS BERTOCHE. Todos os direitos reservados