CRENÇA E PODERES DO SEIO FEMININO

Laís Bertoche





A Desde 1990, a campanha Outubro Rosa tem se espalhado pelo mundo, estimulando a conscientização e a partilha de informações sobre o câncer de mama, favorecendo de modo significativo a prevenção, diagnóstico precoce e controle da doença, além de disponibilizar maior acesso aos serviços especializados, e aumentar assim as chances de cura e redução da mortalidade.

Apesar disso, não apenas o câncer, mas qualquer coisa que ameace a imagem, tamanho, higidez e velhice dos seios, desperta medo e angustia na mulher. Faço um convite para pensarmos sobre o tema a partir do rico simbolismo representado por elas.

O poder dos seios

Da concepção ao nascimento, da amamentação à atração sexual, os seios trazem consigo a força, o orgulho, o poder e a vida sobre a Terra. Em todas as culturas, o seio é símbolo de feminilidade e doação: “toda mulher, no fundo, deseja ser uma boa mãe e uma boa amante”, papeis simultaneamente representados pelos seios, afirma o cirurgião oncologista Antônio de Pádua Bertelli.

Simbolismo dos seios


Como único órgão que não tem nenhum uso para si mesmo (exceto o puro prazer), seu poder está, principalmente, em servir ao outro (Botelho, 2015).

Além de amamentar o bebê, os seios também “saciam a fome dos homens maduros”, como diz um poema indiano escrito há mais e 4.000 anos. Essa saciedade madura talvez seja lembrança da satisfação experimentada pelo menino, tão bem representado pelo Poemas para todas as mulheres, de Vinicius de Moraes, no trecho:

No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado Confuso, criança para te conter!

Retratados em todas as culturas, os seios aparecem nas pinturas, lendas e descrições poéticas, seja quando evoca a mulher como fonte de vida e alimento, seja como fonte de prazer, afeto, aconchego, coragem e verdade, como na tela “A Liberdade Guiando o Povo”, de Ferdinand Victor E. Delacroix, onde vemos a imagem de uma mulher (a Liberdade) firme e obstinada, com os seios desnudos, carregando uma bandeira à frente do campo de batalha e incutindo nos soldados franceses a coragem para enfrentar e vencer o inimigo.

Iemanja, filha de Olokum

Reza a lenda que a filha de Olokum (deusa do mar) chamada Iemanjá, se casou e teve dez filhos orixás. De tanto amamentá-los, seus seios tornaram-se imensos, flácidos e balouçantes. Um dia, cansada de sua vida e de seu marido, Iemanjá fugiu para o oeste, onde vivia o rei Okere, que desejou casar-se com ela. Aceitou a proposta, mas impôs a condição de jamais zombar de seus seios.

Mas, um dia, voltando para casa bêbado e trôpego, fez galhofas e zombou deles. Iemanjá ofendeu-se e, magoada, fugiu levando consigo um pote que continha uma poção mágica, presente de sua mãe. Okere tenta por todos os meios impedir sua fuga. Na agonia, ela tropeça e cai, quebrando o pote e derramando a poção mágica, cujas águas se transformam num rio que a conduziram para o mar de sua mãe, recusando-se desde então, a voltar para a terra.



É dito que a mulher de mamas fartas possue grande tendência maternal, sendo frequente abandonar seus sonhos e se anular em prol do outro. Por se dar tanto, acaba se magoando com facilidade. Já aquela de mamas pequenas, não admite sujeitar-se ou sentir-se aprisionada, rejeitando e repudiando qualquer pressão familiar. Independente, costuma demorar para assumir compromisso de par.


A Rainha Atossa

Conta Heródoto que a rainha Atossa, esposa de Dario I, rei dos persas, por medo de perder a feminilidade, o marido, o prestígio e com isso o próprio valor como pessoa, escondeu o quanto pode um tumor no seio. Por fim, já não suportando o peso do seu segredo, se fez examinar às escondidas por um médico estrangeiro, de nome Demócedes, retido na Pérsia.

Astuto, o médico a fez prometer que se a curasse, ela o ajudaria a retornar à Grécia, sua terra natal. Não se sabe a natureza do tumor, mas a rainha ficou curada. Para cumprir o prometido, ela convence o rei Dario, seu marido, a enfrentar os gregos na batalha de Maratona, em 490 a.C., resultando em humilhação e derrota. O médico, infiltrado nas hostes inimigas como espião, aproveita e foge para sua terra natal.

Mesmo naquela cultura, a quase 2500 anos, as mulheres já temiam quando sentiam seus seios ameaçados, assumindo grandes riscos para preservá-los. Interessante notar que o rei possuía muitas mulheres, favorecendo a insegurança da rainha. Segundo o Dr Geerd Hamer, o câncer de mama pode ser desencadeado por preocupações, conflitos e traumas extremos no seu lar, no “seu ninho” (Botelho, 2015).

As Icamiabas, da Amazônia


No Brasil, a lenda das Icamiabas é uma das mais completas formas de expressão da fertilidade, feminilidade e sexualidade, apresentando muita semelhança à das amazonas da mitologia grega, que viviam na Ásia Menor.

Reza a lenda que no ano de 1542, expedicionários avistaram às margens do rio Nhamundá, na divisa entre Pará e Amazonas, um grupo de índias guerreias que viviam numa tribo isolada, só mantendo contato esporádico com homens. Os índios as chamavam de Icamiabas, palavra que pode ser traduzida como “mulheres sem marido”.

Descritas como mulheres lindíssimas de pele clara e cabelos negros e compridos, altas, fortes e com seios deslumbrantes e imponentes, as Icamiabas provocavam arrebatamento e intenso desejo em quem as encontrasse. Viviam e lutavam nuas, com o seio direito atado ao corpo para melhor manejar o arco e a flecha.

Segundo se diz, uma vez ao ano, em noite de lua cheia, elas selecionavam e tinham relações com os índios mais vigorosos e belos da região, numa cerimônia abençoada pela deusa Yaci, a mãe-lua. As filhas nascidas recebiam educação e cuidados das mães, sendo instruídas no manejo das armas para dar continuidade à casta de guerreiras. Quanto aos meninos, no ano seguinte eram entregues para que seus pais os criassem.

Quanto à simbologia, doenças no seio direito parecem decorrer de baixa autoestima, magoa, sentimento de desatenção, raiva e conflitos relacionados à figura masculina significativa, como companheiro, pai, irmão, chefe. Já sofrimento no seio esquerdo parece ser provocado pela perda do controle de tudo que se relaciona ao feminino, como seu ninho (lar), seu lado criança, a relação com a mãe e com tudo que precisa de sua proteção. O sentimento é de ressentimento e mágoa.

Os seios e suas expressões

Todas essas narrativas, ao mesmo tempo em que revelam o enorme poder simbólico dos seios femininos, nos ajudam a entender os sentimentos que levam uma mulher a fugir de assuntos relacionados ao câncer de mama, negando-o. E, embora possamos perder a mama em sacro-oficio para o câncer, precisamos nos dar conta de que a feminilidade é algo que vai muito além: no centro está a mulher, a pessoa inteira e muito mais que seus seios.

Texto publicado na Revista Carioca em outubro de 2018.







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