O MEDO BATE NA PORTA
Como lidar e vencer
o pânico
Laís Bertoche
O Deus Pã
Na mitologia grega, Pã é o deus dos bosques e dos rebanhos, representado com orelhas, chifres e pernas de bode. Alegre, amante das ninfas e da música, vive nas cavernas das florestas e domina os bosques, sendo por isso invocado para encontrar animais perdidos.
Entre os gregos, todo medo inexplicável e irracional era atribuído à presença de Pã. Sua medonha presença provoca opressão no peito e o terror súbito que invade os andarilhos solitários na escuridão da noite; ou a loucura coletiva que subitamente acomete uma multidão que, tomada de medo, põe-se a correr desesperadamente; ou quando, no meio de uma batalha, todo o exército é tomado por um pavor coletivo e debanda sem disciplina ou controle.
Por analogia, nasceu a palavra pânico, que na forma de surto ou síndrome se diferencia do medo pela intensidade dos sofrimentos psicológicos e prejuízo das relações sociais e muitas vezes profissionais desencadeadas por esse pavor irracional.
Pânico: paralisando de medo
Como vimos, trata-se de reações físicas e psicológicas de imobilidade e terror que envolvem intensa ansiedade, desencadeadas pela presença de algum estímulo físico ou mental, (interpretação, imaginação ou crença) que não representa um risco real.
Esse estado de ansiedade e alerta orgânico é desencadeado pelo sentimento de estar sendo ameaçado, provocando uma forte urgência de escapar e buscar segurança num local confiável, longe de onde o ataque começou.
Os transtornos do pânico fazem parte das manifestações mais comuns dos distúrbios de ansiedade. Eles foram chamados de “neurose ansiosa” por Freud.
Pesquisas da Organização Mundial de Saúde revelaram um aumento significativo da ansiedade entre os brasileiros. Segundo os especialistas, os índices resultam do aumento da desigualdade social, da atual crise financeira e do aumento da violência, principalmente nas grandes cidades, onde o numero de portadores desse transtorno é mais significativo. As consequências econômicas provocadas por esses transtornos são consideráveis, com consultas médicas frequentes, licenças e baixa produtividade, além de sérios prejuízos à qualidade de vida.
Características do Surto e da Síndrome do Pânico
Os sintomas externos de um ataque de pânico geralmente causam experiências sociais negativas (como vergonha, estigma social, ostracismo etc.), e, embora eles não apresentem risco à saúde física da pessoa, são perturbadores emocionalmente, com surtos súbitos de medo intenso associados a sintomas psicossomáticos. Duram em média 30 minutos, sendo comum o medo de perder o controle.
Um medo persistente pode surgir em locais considerados desprotegidos (agorafobia), fazendo com que a pessoa não queira mais sair de casa, evitando lojas, multidões e qualquer lugar ou transporte público. Muitos fóbicos mantém a ansiedade controlada ao evitar as situações geradoras de fobia. Há também as fobias sociais (antropofobia e neurose social), onde a pessoa tem medo de ser observado e criticado, além da perda da autoestima. Frequentemente se manifestam por rubor, tremor das mãos, náuseas ou desejo urgente de urinar, manifestações interpretadas pelo paciente como sendo seu problema primário. Esse estado pode evoluir para um ataque de pânico.
Ainda podemos observar fobias específicas como a proximidade de determinados animais (zoofobias), medo de locais elevados (acrofobia), de trovões, da escuridão, de viagens de avião, espaços fechados (claustrofobia), utilização de banheiros públicos, ingestão de determinados alimentos, cuidados odontológicos, ver sangue ou ferimentos, etc. Ainda que a situação desencadeante seja inofensiva, o contato com ela pode desencadear um estado de pânico.
O que é Síndrome do pânico?
O transtorno ou síndrome de pânico se caracteriza por crises súbitas e recorrentes de ataques de pânico (ansiedade grave e intensa), imprevisíveis e frequentemente incapacitantes. Do mesmo modo, eclodem sintomas mentais e físicos que podem incluir confusão mental com sensação de não estar presente no corpo (despersonalização) e distorção da realidade, além de profundas alterações físicas provocadas pela liberação brusca de neurotransmissores (especialmente a adrenalina), provocando a sensação de que algo catastrófico está acontecendo e de que a morte é iminente.
Esse estado se inicia de forma brusca e alcança intensidade máxima em poucos minutos, aumentando a chance de ocorrência de outros ataques e dificultando a rotina do dia a dia, seja por medo de perder o controle, de enlouquecer ou de ter um ataque no coração.
Reação de luta e fuga
Sobrevivemos como espécie graças a sistemas orgânicos defensivos que tem por objetivo enfrentar perigos reais, lutando ou fugindo. A ciência oficial reconhece o envolvimento de principalmente duas estruturas no instinto de sobrevivência: a amigdala cerebelosa e o hipocampo.
A amigdala cerebelosa é uma pequena estrutura em forma de amêndoa situada no interior do cérebro, que atua na regulação das respostas emotivas. Conhecida também como o centro identificador do perigo, alerta e prepara o animal para evadir-se ou lutar. Atua, portanto, na mediação da ansiedade e do pânico.
O hipocampo está particularmente envolvido com os fenômenos da memória, e atua no monitoramento do ambiente exterior, correlacionando entre si velhas e novas informações, como as memórias espaciais. |
Acredita-se que um hipocampo intacto possibilite a comparação entre uma ameaça atual e experiências passadas similares, permitindo a escolha da melhor opção, garantindo sua preservação.
No organismo, essas funções são ativadas pelos neurotransmissores. Uma dessas substancias, a adrenalina, tem o poder de aumentar a frequência cardíaca e respiratória, aumentando a capacidade reativa. Esses são os sintomas iniciais de um ataque de pânico.
- A hiperventilação aumenta a produção de gás carbônico, provocando um aumento no PH sanguíneo (alcalose metabólica) e, consequentemente, ocorre uma maior afinidade da albumina plasmática pelo cálcio circulante, que se traduz por uma hipocalcemia relativa, produzindo as seguintes alterações orgânicas:
- Sistema Nervoso Central: ocorre vasoconstrição arterial que se traduz em vertigem, escurecimento da visão, sensação de desmaio.
- Sistema Nervoso Periférico: ocorre dificuldade na transmissão dos estímulos pelos nervos sensitivos, ocasionando parestesias (formigamentos) que possuem uma característica própria: são centrípetos, ou seja, da periferia para o centro do corpo. O indivíduo se queixa de formigamento que acomete as pontas dos dedos e se estende para o braço (em luva, nas mãos; em bota, nos pés), adormecimento da região que compreende o nariz e ao redor da boca (característico do quadro).
- Musculatura Esquelética: aumento da excitabilidade muscular crescente que se traduz inicialmente por tremores de extremidades, seguido de espasmos musculares, chegando até a tetania, que pode provocar dificuldade para abertura dos olhos, dor torácica alta, sensação de aperto na garganta, de abertura da boca e contratura das mãos. São muito frequentes as câimbras.
Como frequentemente a hiperventilação é realizada através da boca, é comum a ocorrência de ressecamento da boca e sensação de falta de ar.
A presença de pelo menos quatro dos principais sintomas (marcados na tabela abaixo com o sinal +), que podem aparecer isoladamente ou não, aumentam a probabilidade de diagnóstico positivo ao TP. Observo que os sintomas apresentados são típicos da reação de luta e/ou fuga comum em situação de perigo iminente, e que apesar da dramaticidade das crises, não se encontra evidências de alterações nos exames clínicos. Esse fato provoca intenso conflito entre o perigo real e o irreal, já que o organismo está reagindo a uma imagem (memória) interna, embora atinja o indivíduo em sua totalidade.
Mas quais seriam as causas de toda essa percepção equivocada da mente?
Memória extracerebral e reatividade
Durante nosso processo evolutivo, aprendemos e gravamos uma serie de comportamentos com o objetivo de assegurar a sobrevivência da espécie. Por isso, há certos medos gerais e comuns a quase todos os seres humanos – por exemplo, de altura, raios, serpentes e outros – que podem provocar ataques de ansiedade e graus variados de medo, marcando uma espécie de reminiscência comportamental.
As pesquisas atuais com “Experiências de Quase Morte” desenvolvidas pelos doutores Raymond Moody, Kenneth Ring, Elizabeth Kubler-Ross, dentre outros, afirmam que as memórias não se encontram confinadas ao cérebro e que todos os acontecimentos de nossa vida se encontram arquivados num campo de memória extracerebral. O biólogo Rupert Sheldrake vai mais longe, afirmando que seres da mesma espécie acessam e contribuem na expansão desse campo de memória, acelerando assim o desenvolvimento coletivo da espécie e de cada indivíduo.
Quando uma pessoa é capaz de vencer um problema/obstáculo – por exemplo, uma criança que caiu num poço e conseguiu sair de lá, sobrevivendo à queda – dificilmente esse acidente se tornará fator desencadeante para um pânico futuro, a menos que existam memórias traumáticas relacionadas a mortes em locais escuros, buracos ou afogamentos, registrados no campo familiar ou no inconsciente coletivo.
De qualquer modo, não é fácil para a mente diferenciar percepções objetivas subjetivas, como as memórias traumáticas. Uma avaliação equivocada provoca as mesmas reações defensivas no organismo necessárias à sua autopreservação, liberando neurotransmissores que provocarão os sintomas do pânico e dificultarão o controle da ansiedade e o relaxamento.
Acontecimentos que podem produzir pânico
A ciência considera que o ataque de pânico tem sua origem numa avaliação equivocada do sistema de "alerta" normal do organismo — o conjunto de mecanismos físicos e mentais que permite que uma pessoa reaja a uma ameaça — que é desencadeado desnecessariamente na crise de pânico, sem haver perigo iminente real. Observam ainda que pessoas ansiosas são mais suscetíveis ao problema do que outras, o que envolveria tanto fatores genéticos quanto aprendidos na convivência familiar, escolar e social.
Para os profissionais que trabalham com a hipótese da memória extracerebral, a origem dos ataques de pânico está num registro (uma memória) arquivado no inconsciente coletivo, que, quando já sensibilizado, pode ser ativado sempre que houver sintonia vibratória (ressonância mórfica) com o trauma original.
De modo geral, essas memórias podem ter sido desencadeadas por: estresse pós-traumático ou emocional como perdas, morte ou adoecimento de uma pessoa próxima, acidentes, mudanças radicais ocorridas na vida; aborrecimentos ou expectativas frustradas; sentimento de culpa; histórico de abuso sexual durante a infância, e outros.
Depois de uma crise, a pessoa tende a desenvolver mecanismos defensivos a fim de evitar novas exposições; quando esse mecanismo falha, nova crise de pânico pode ocorrer.
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